Primeira homilia em I Jo(I Jo 1, 1-4)

Homilias em I Jo - Allan Magalhães

Primeira homilia em I Jo(I Jo 1, 1-4):

Primeira homilia em I Jo

São João Evangelista, autor da primeira epístola de São João(I Jo), a qual exporemos homileticamente aqui.



PREFÁCIO À PRIMEIRA HOMILIA: 

Esta (primeira) homilia a I Jo é a primeira de uma série de homilias a I Jo que pretendo fazer, objetivando o crescimento do interesse pelos estudos bíblicos, exegéticos e homiléticos e que esta homilia venha a somar à herança do depósito da fé da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana(sendo permitida a leitura e o uso por fieis ortodoxos e protestantes).



INTRODUÇÃO: 

De todas as epístolas chamadas "católicas", porquanto dirigidas a diversas igrejas, uma há que nos foi legada por São João Evangelista(I Jo), tal é a que abordaremos nesta homilia, espero que eu possa expor o que o hagiógrafo quis expressar, não somente sob o efeito da tinta e do papel, mas sob o impulso da caridade sobrenatural.

Texto: 

[1]O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado e as nossas mãos têm apalpado no tocante ao Verbo da vida -
[2]porque a vida se manifestou, e nós a temos visto; damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e que se nos manifestou -,
[3]o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo.
[4]Escrevemo-vos estas coisas para que a vossa alegria seja completa.(I Jo 1, 1-4) 

Homilia em I Jo 1, 1-4: 

I Jo 1, 1: 

Primeiramente, é preciso perguntarmo-nos: o que era desde o princípio? 
Sabiamente São João responde em seu Evangelho: 
"No princípio era o Verbo"  
E onde o Verbo estava?
 "E o Verbo estava junto de Deus" 
E o que o Verbo era? 
"o Verbo era Deus"(Jo 1, 1). 
Mas não nos enganemos, quando  é dito "o Verbo era", "no princípio era o Verbo", isto não denota passado como estamos acostumados a dizer em gramática, como o Verbo é Deus, por óbvio o verbo "ser" no passado predicado a Ele designa a eternidade, quanto a isso, é preciso analisar a natureza da eternidade: a primeira característica da eternidade é ser desprovida de princípio e fim, portanto, o Verbo divino estava antes de qualquer sucessão temporal de anterioridade e posteridade, a segunda característica da eternidade é a plena simultaneidade - isto é, todos os eventos possuem unidade simultânea entre si -, portanto, o Verbo é simultaneamente existente. 
Então compreendemos o que São João diz "o que era no princípio", o quê? O Verbo(Jo 1, 1). 
"O que temos ouvido", o que temos ouvido? 
A doutrina do Evangelho anunciada pelo Cristo, doutrina esta pregada de viva-voz por Nosso Senhor Jesus Cristo (aos santos apóstolos), depois anunciada oralmente pelos santos apóstolos aos seus sucessores, conforme o testemunho do Apóstolo:
"Intimamo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que eviteis a convivência de todo irmão que leve vida ociosa e contrária à tradição que de nós tendes recebido." (II Ts 3, 6)
Igualmente, diz São João Evangelista: o que tendes ouvido é o testemunho do Verbo Divino(Jo 1, 1) e Encarnado(Jo 1, 14), feito homem para nossa salvação. 
Esse testemunho é resumido por Nosso Jesus Cristo nestas palavras: 
"Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna." (Jo 3, 16) 
"O que temos ouvido", ouvimos o testemunho de Nosso Senhor Jesus Cristo pregado de viva-voz e continuado na pregação de seus santos apóstolos por meio do ministério apostólico. 
"O que temos visto com os nossos olhos", singular e pessoalmente, São João Evangelista viu Nosso Senhor Jesus Cristo em carne e osso, universalmente, viu e presenciou seus milagres e todos os ocorridos decorrentes de sua Encarnação e pregação. 
Com que olhos ele viu Nosso Senhor Jesus Cristo e os eventos subsequentes à sua Encarnação? 
Com os olhos corpóreos somente? Sim, por um certo período de tempo, até que Nosso Senhor Jesus Cristo lhe desse o Espírito Santo, em duas ocasiões isto ocorreu, a saber, nesta: 
"Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo.
Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos."(Jo 20, 22-23) 
E nestoutra: 
"Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar.
De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados.
Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles.
Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem."(At 2, 1-4)
Após o recebimento do Espírito Santo, São João Evangelista viu o Cristo com os olhos da inteligência iluminada pela luz sobrenatural da fé e inspirado pelo Espírito Santo, então escreveu aquelas palavras tão excelsas e sublimes encontradas no Prólogo de seu Evangelho(Jo 1, 1-18). 
"O que temos visto com os nossos olhos", o modo de ver carnalmente é o modo como o ser humano vê os "seres"(entes) ao seu redor sem contudo apreender-lhes a essência, mas quem vê com os olhos da fé sobrenatural, consegue, a um só tempo, captar a realidade visível e invisível, destarte, São João contemplou Cristo não somente enquanto homem, contemplou-lhe enquanto Deus, como o próprio Cristo afirma: 
"Eu e o Pai somos um."(Jo 10, 30)
"O que temos contemplado", como a dizer: o que temos contemplado acerca da  divindade do Verbo e da plenitude de sua doutrina. 
"E as nossas mãos têm apalpado no tocante ao Verbo da vida", as mãos apalpam o Verbo da vida, porquanto o Verbo tornou-se tangível. 
São Tomás faz uma comparação quanto ao Verbo divino: o Verbo enquanto não pronunciado, é como uma palavra não escrita.
 Quando pronunciado, escrita numa folha pode ser vista, tocada e apalpada(Sermão sobre o Credo), assim o Verbo da vida quando feito carne pôde ser visto, tocado e apalpado.

I Jo 1, 2:

A quem pergunta: quem é a vida? Cristo responde: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim."(Jo 14, 6) 
"porque a vida se manifestou", a vida estava N'Ele, conforme o mesmo evangelista: "Nele havia vida".
E o que era a vida? "e a vida era a luz dos homens." (Jo 1, 4)
"porque a vida se manifestou", a vida que é luz dos homens veio em carne e assumiu nossa natureza de criatura servil, conforme São Paulo: "mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens." (Fl 2, 7) 
E ainda, foi igual a nós em tudo, exceto no pecado, segundo o Apóstolo: 
"Porque não temos nele um pontífice incapaz de compadecer-se das nossas fraquezas. Ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado." (Hb 4, 15) 
"porque a vida se manifestou", manifestou-se aos que têm fé sobrenatural para acolher o mistério divino da Encarnação, a saber, que Deus pôde fazer-se homem para nossa salvação e em expiação de nossos pecados(e do pecado original de nossos primeiros pais - Adão e Eva) no seu sacrifício redentor, pôde ser o mediador perfeito entre Deus e os homens:
 "Porque há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem que se entregou como resgate por todos."(I Tm 2, 5-6)
"e nós a temos visto", como a vimos? Primeiramente, os santos apóstolos viram Cristo pessoalmente e, após receberem o Espírito Santo, viram Jesus Cristo pelos olhos da inteligência iluminada pela fé sobrenatural. 
Assim também, nós, embora não tenhamos visto Cristo pessoalmente, recebemos a fé sobrenatural como uma das virtudes teologais que nos foram infusas no momento de nosso batismo e aprendemos a ver ao Cristo com os olhos da inteligência iluminada pela luz sobrenatural da fé.
"damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna", São João Evangelista presenciou os eventos que testificam a vida eterna e nos dá seu testemunho, com efeito, Cristo disse: "aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus". (Jo 3, 36)
"damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e que se nos manifestou", São João Evangelista não é ele a vida eterna, mas dá testemunho da mesma, como a dizer: não sou eu o Cristo, mas testemunhei com os meus olhos, ouvi com meus ouvidos, as minhas mãos apalparam o Verbo da vida(I Jo 1, 1). 
Para entendermos que trata-se não somente do testemunho de um homem, mas do testemunho do Espírito Santo, faz-se mister que compreendamos sumariamente como ocorre a inspiração bíblica: 
1) Inspiração: o Espírito Santo comunica ao autor sagrado o que ele deve escrever para que seja plenamente conforme à Vontade de Deus e texto integralmente revelado por Deus;
2) Quanto às faculdades humanas: as faculdades humanas(intelecto e vontade) do hagiógrafo não são dispensadas nesse processo. 
Portanto, é testemunho inteiramente divino, porquanto o Espírito Santo comunicou a São João Evangelista o que ele havia de escrever e ao mesmo tempo inteiramente humano, porque no processo de inspiração bíblica o Espírito Santo não dispensa as faculdades do autor sagrado(intelecto e vontade), tampouco seus dons redacionais. 
"que estava no seio do Pai e que se nos manifestou", quem estava no seio do Pai? São João Evangelista também explica isto no seu Evangelho:
 "Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou." (Jo 1, 18)
Portanto, é manifesto que "a vida eterna" deste versículo(I Jo 1, 2) é o Verbo divino e Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo. 
"damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna", dado que somente Nosso Senhor Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida(Jo 14, 6), igualmente só Ele(juntamente com as duas outras pessoas divinas), sendo Deus, pode ser designado essencialmente a vida eterna, portanto, entenda-se que aqui refere-se a Nosso Senhor Jesus Cristo. 
"e que se nos manifestou", cuido que aqui refira-se à Encarnação do Verbo(Jo 1, 1.14), Deus Filho, Verbo Divino e Encarnado é o "exegeta do Pai", como costumava chamar Dom Estevão Bettencourt, porquanto ele dá a conhecer o Pai, conforme o mesmo Redentor faz notar de si em seu diálogo com o santo apóstolo Filipe: 
"Respondeu Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai..." (Jo 14, 9)

I Jo 1, 3: 

"o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo".
O que vimos e ouvimos?
Os eventos que ele e os santos apóstolos viram(com os olhos da inteligência iluminada pela luz sobrenatural da fé) e ouviram(o ressoar da graça do Espírito Santo em suas almas) a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua consequente obra salvifica e redentora. 
Que comunhão é essa a qual o santo apóstolo e evangelista refere-se? 
É a comunhão da fé, caridade, esperança e graça sobrenaturais. Não fosse assim: de que modo poderia ele acrescer: "Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo"?
 Pode, por acaso, o ser humano participar cá na terra da bem-aventurança eterna e da comunhão eterna das três pessoas divinas sem ser por meio das três virtudes teologais e da graça sobrenatural(incluso os meios de santificação)? 
Portanto, é razoável dizer que aqui trata-se da comunhão com Deus que o fiel participa mediante a prática das três virtudes teologais e da graça sobrenatural.
É razoável também dizer que trata-se da comunhão espiritual que os fieis têm ao serem inseridos no corpo místico de Cristo(Igreja) e, por conseguinte, participarem ativamente de seus santos mistérios e terem uma relação pessoal com o Deus Uno e Trino.

I Jo 1, 4:

"Escrevemo-vos estas coisas para que a vossa alegria seja completa".
Qual alegria? 
A alegria da esperança da salvação. 
De que modo a nossa alegria torna-se completa?
 Quando unida sobrenaturalmente ao Cristo: os meios já vo-lo indicamos - a fé, a esperança e a caridade(virtudes teologais) e a graça sobrenatural. 
Claro que isto ressalta outro aspecto: "a fé sem as obras (sobrenaturais) é morta"(Tg 2, 14. 26), portanto, é necessário que o cristão pratique boas obras sobrenaturais, cooperativamente com a fé e a graça sobrenaturais que vêm de Deus, são dons de Deus.

CONCLUSÃO:

Aqui encerra-se a minha primeira homilia autoral a I Jo(1, 1-4) de uma série de homilias que publicarei ao mesmo texto bíblico.
Publicarei ainda futuramente homilias e comentários à epístola de São Tiago, ao Evangelho de São João e ao mesmo texto bíblico em questão(I Jo). 
Se Deus quiser isto se realizará, se assim for conforme à divina providência.
Espero que aproveitem e tirem bom proveito da leitura.

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